domingo, 25 de agosto de 2013

E AINDA PERGUNTO: O QUE FOMOS LÁ FAZER?

POUCOS COMPREENDEM OU ENTENDEM ACONTECIMENTOS


“Que tal foi o almoço do dia 1 de Agosto?”


Em relatos de guerra ('A Minha Guerra') no periódico português Correio da Manhã (Cofina media),  encontrei o relato de um velho soldado que participou da guerra em África; ao relato deu o nome “Que tal foi o almoço do dia 1 de Agosto?”, chamando minha atenção a exclamação no final...... 'E ainda pergunto: O que fomos lá fazer?'.

Guerras são dolorosas, sofridas, traumatizam, provocam intensas emoções, mas mesmo assim esse velho soldado até o dia em que fez o relato, não havia compreendido ou entendido o que fora fazer, o que fora fazer em África, porque estava a guerrear em África, qual o objetivo da guerra.


É extremamente comum pessoas lerem reportagens, livros, assistir reportagens, filmes, presenciarem eventos e não compreende-los; é comum velhos soldados mencionarem que não compreenderam o sentido, motivos e finalidades de conflitos bélicos em que estiveram envolvidos, tal como é extremamente comum pessoas não compreenderem acontecimentos que de forma direta ou indireta afetam suas vidas.


É comum pessoas não compreenderem a própria vida, navegando por ela como se estivessem dentro de um nevoeiro, sem distinguir a realidade. Vivem como se num sonho ao sabor dos acontecimentos, sendo levados por eles a destinos e acontecimentos não planejados.


Sugiro que pequena parcela das pessoas (10% ou menos da população) está plenamente consciente da própria vida, são os que decidem o destino dos demais, de Estados e Nações; têm opinião própria, pensamentos originais, são formadores de opinião. É dessa pequena parcela que emergem os administradores, os dirigentes; não recebem ordens, dão ordens, criam estratégias, são criadores natos, dão forma aos demais, sabem o que fizeram, porque fizeram, o que farão e porque farão.



 A Minha Guerra

“Que tal foi o almoço do dia 1 de Agosto?”

Perguntavam numa folha de papel espetada numa árvore, no local onde sofrêramos um ataque. Reagimos enfurecidos e ofendidos
Por:Francisco Louro, Angola, 1966- -1968

Assentei praça em Braga, minha terra natal, a 2 de agosto de 1965, com 21 anos de idade. Fui tirar a especialidade de armas ligeiras em Penafiel, depois fiz o I.A.Q. no quartel de Vila Real, para me preparar para a Guerra Colonial.
A 22 de janeiro de 1966 embarquei no navio ‘Niassa’, alojado no porão – já estava a ser ‘carne para canhão’. O percurso, rumo à ilha da Madeira, foi uma desgraça. Deram-nos rações de combate e, agarrados à proa do navio, deitávamos ‘à carga’ o que comíamos, tal era o enjoo.
Nunca esquecerei o cenário arrepiante, logo que o navio começou a deslocar-se no cais de Alcântara, em Lisboa. À medida que se afastava, impressionava o número de familiares e amigos com tantos lenços brancos a acenar numa despedida de parte a parte. Lamentavelmente muitos não regressaram, nem vivos, nem mortos. Ainda hoje, e já lá vão quatro décadas, em terras de África permanecem muitos soldados enterrados ou por localizar, deixando os familiares com a certeza de que a pátria não honrou as suas almas.
No dia 4 de fevereiro chegámos a Luanda, após uma viagem marítima que demorou 13 dias. O nosso destino foi o Centro de Estágio, o Grafanil, sem o mínimo de condições higiénicas, com colchões ‘sumó cimento’ e mosquitos sem fim a provarem a nossa pele. Só conseguíamos suportar as picadelas com cervejas frescas.
A caminho do Norte de Angola esperavam por nós as caminhadas por matas, picadas e áreas de café, Damba e Serra de Mucaba. Na primeira operação de combate, ‘batizam-nos’ com um ataque que originou uma vítima mortal, um colega, que não pertencia à companhia, serviu de guia quando estava a terminar a sua comissão.
Zona de guerra
De julho a 22 de agosto de 1966, integrámos a operação ‘Quissonda’, conhecida pelo comandante ‘Totobola’, na zona de Dembos, a pior zona da Guerra Colonial em Angola, para proteção à Engenharia. Fomos atacados, sofremos dois feridos e, no dia seguinte, no mesmo local do ataque, estava espetada numa árvore uma folha de papel onde se lia: ‘Que tal foi o almoço do dia 1 de agosto?’ Reagimos enfurecidos e sentimo-nos ofendidos na nossa dignidade.
A 22 de agosto, regressámos à Mucaba e, para contrariar o que acontecera, recebi uma notícia que me encheu de alegria: o Sporting Clube de Braga venceu a Taça de Portugal em 1966.
Depois de Luanda, fomos para a Zona Leste, Cazombo, Gafaria e Caianda. Atravessámos de jangada o rio Zambeze para Lumbala Velha, zona muito perigosa, repleta de crocodilos. Cumpridos oito meses no Leste, regressámos a Luanda, ao Grafanil. Malange, Duque de Bragança, Cacuso, Pedras Pungo Andongo, foram locais que nos permitiram descansar, pois o serviço era proteger o comboio e populações locais. Regressámos pela última vez a Luanda e embarcámos finalmente com destino à metrópole no navio ‘Vera Cruz’, a 17 de abril de 1968.
Após as despedidas, cada um seguiu o seu destino e a sua vida. A minha chegada a casa, à minha família, e o recuperar da minha liberdade total, encheu--me de enorme felicidade. Ainda hoje nos encontramos anualmente para recordar as histórias dos bons e maus momentos que passámos em terras Angolanas. E ainda pergunto: o que fomos lá fazer?

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